I Made It

Um avatar é um avatar, não precisa de ter um significado. Mas este, de momento tem. Dorian Gray não apodrecia com os seus pecados, existia sempre o retrato que tudo acarretava por ele, chegando à podridão completa. Nem falo da juventude eterna, naquilo que me assusta mais, que é a ideia de morrer, não, acho que mesmo uma vida péssima é melhor do que uma morte abençoada. Mas a vida é feita de escolhas, e é triste chegar ao ponto de se perceber que se fizeram as escolhas erradas. Quando quase tudo é segredo, as consequências permanecem em segredo. O retrato estava sempre lá para recordar Dorian daquilo em que ele se tinha tornado na sua busca incessante da perfeição. Não busco a perfeição, apenas buscava algo que me fizesse mais feliz, por muito que o belo pudesse não ser aquilo que aparentava de início. Sim, fiz escolhas e como qualquer pessoa arrependi- me. Não, não é preferível arrepender- se por algo que se fez do que por aquilo que ficou por fazer, isso, é conversa de moribundos, aqueles que estão a morrer e já não podem fazer nada daquilo que ambicionaram. As minhas ambições não eram altas. Mas tiveram um preço. Não é algo que faça desejar a morte nem que tenha de ocultar para que mais ninguém o veja, quantas e quantas vezes me queixo directa ou indirectamente do que me custou ter arriscado quase tudo por um momento de prazer. E esse momento de prazer vai, para sempre, provavelmente acompanhar- me nesta mazela que me faz viver tal como Dorian vivia: com um sorriso no rosto, rosto esse que era mais máscara do que outra coisa. Não, não uso uma máscara, antes usasse, as pessoas são masoquistas, gostam do sofrimento, gostam de ver até que ponto é possível o sofrimento dos outros e o seu próprio. Nem o amor próprio de Dorian o impediu de chorar ao aperceber- se do podre que era, face à jóia que os outros viam nele. Chorar, sim, mas talvez eu tenha medo de o fazer, por estar a assumir que nada mais a fazer. Seria mais fácil culpar alguém pela minha desgraça, dizer que fiz o que fiz porque não sabia, não tinha mentalidade para tal. Oh como me estaria a enganar, cobrindo a verdade com um lençol que mais cedo ou mais tarde iria ser retirado. Foi um presente de Natal que nunca desejaria ter recebido, algo que nunca vou poder dizer que me relembra bons tempos. Esses tempos nunca irão ter um rosto, não prometi nada a mim mesmo, mas cada vez mais a pessoa que me acompanhou em tudo aquilo que fiz é menos importante para mim, já não me é nada. E não lhe guardo rancor, não lhe guardo ódio, apenas sinto que se não tivesse sido aquele dia, por causa daquela pessoa, as coisas nunca seriam como são. E mesmo assim veio uma segunda vez, que comprovou ainda mais que, por muito que essa pessoa pudesse não ter qualquer problema, trouxe todos os problemas à minha vida. Se ao sabermos o nosso futuro o podermos mudar, eu quero mudar o meu, quero mudar o sentimento de acordar de manhã e sentir que respiro com dificuldade, deixar de ter medo do calor que me torna ainda mais difícil respirar, deixar de me sentir a sufocar dentro de água, elemento que até à data e, depois de tantos anos a inspirar receio, era um refúgio para tudo aquilo que eu vivia fora dela. Mas, como em tudo na vida, e por muito que algumas pessoas digam que tudo isto está escrito, a verdade é que nós somos aquilo que fazemos agora e fizemos no passado.

Look at me now

I made it

Feel my heart now

I made it

Reaching things now

I never thought possible

Here I am now

I made it

Here is my life my true dream

Dead By April- "I Made It"

"My true dream". Não, se a vida fosse um sonho, estaríamos todos a dormir e, infelizmente eu estou acordado, antes não estivesse não teria feito tudo o que fiz, e não teria de carregar um retrato a vida toda. Mas, assim como transcrevi, "Here I am now, I made it".

Acredito que se alguém conseguiu ler tudo isto, terá ficado confuso, mas na minha mente tudo fez sentido e, por muito que digam que a exposição daquilo que sentimos tem um preço, o sentimento de deitar para fora tudo aquilo que aqui escrevi, foi sem dúvida melhor do que ter medo de mostra- lo. Muito obrigado por lerem isto.