Eu vivo num meio pequeno e, num meio pequeno existem duas maneiras primitivas de se saberem as "notícias": pelos vizinhos, ou através das janelas. Tenho uma sala com uns vitrais de caixilho preto que ocupam grande parte da parede e que possibilitam ver sem se ser visto. Aos Domingos, o almoço é literalmente passado a ver o que o vizinho da frente está a fazer, quem entra, quem saí, por que entra, por que saí. E falar-se disso parece ser muito interessante (não sei, na maioria do tempo fico calado ou quando falo tento mudar o assunto para outro tema que não inclua nenhuma das pessoas que possam estar a dois minutos de caminho da sala de estar).
Assusta-me a forma incrirminatória de falar dos problemas dos outros como se fossem males incuráveis incapazes de serem tratados pelos seus detentores e falados como se nunca pudessem acontecer dentro das paredes dos que estão sentados naquelas cadeiras, naquela mesa, a olhar pelos vidros encaixilhados a preto.
Há uns tempos souberam que o filho de uma senhora que há muito tempo vinha cá passar a ferro, se assumiu gay, emigrou para a Suiça e voltou pouco tempo depois com o namorado. A minha mãe, com um ar escandalizado/divertido disse que quando a mãe desse rapaz soube, saiu de casa e passou horas no meio da rua a gritar e que o pai, muito prático disse:
"Filho, o que tu tens é uma doença por isso a gente vai levar-te ao médico e vais tratar-te."
Vou dar tempo para se rirem, assim como eu me ri, por ouvir este tipo de comentários sobre homossexualidade em pleno século XXI. Os meus pais também se riram, não sei é a razão:
1) Riram por o filho do homem ser gay.
2) Riram por o pai dele ser ignorante.
3) Riram por que não imaginam que o mesmo possa acontecer com eles.
A última opção está a negrito propositadamente. Os filhos dos outros são os filhos dos outros e o que lhes acontece nunca acontecerá cá em casa com um filho deles. Mas tenho medo só de ver a reacção quando se trata dos filhos dos outros. Aprendi muito sobre o que dizer ou calar só por ver as reacções parentais sobre os filhos dos vizinhos.
Por que como já afirmei noutro post, se as pessoas soubessem o que as suas palavras podem significar para quem as ouve, provavelmente não as profeririam. Somente o fazem por que são os filhos dos vizinhos.
Sempre os filhos dos vizinhos...
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